sexta-feira, 21 de novembro de 2008

A Caipirinha

Acordou com o relógio na hora marcada, tinha festa na escola, naquele dia de São João. Entrou no banho cheia vontade, sentou-se ainda de toalha e entregou o cabelo molhado para que a mãe transformasse-o em trança.
Ensaiou a semana toda com a professora, não era a noiva, mas dançaria com o Gustavinho pela primeira vez em três anos de escola e festas juninas. Colocou o vestido de caipira novo, que fez a mãe comprar a prestação, recusando-se a usar o antigo porque nesta ocasião tudo precisava ser encantador para aparecer de braços enlaçados com o primeiro namorado, esse, claro, bem desavisado do seu cargo. Cedeu o rosto para ser pintado e depois em cima da cadeira, de batom , blush e pintas de lápis admirou-se a falsa caipirinha no espelho da alta penteadeira.
Chegando na escola, com muito cuidado para não amassar o vestido, posou para os fotógrafos que sempre deixam as crianças duras e sem jeito naquelas poses de álbum de escola onde quase todos temos um falso sorriso guardado.
Viu de longe a professora que já organizava a fila dos alunos, saiu em disparada, chegando na fila correu os olhos e não encontrou:
- Prof. onde está o Gustavo?
- Ai querida, ele ficou doente, a mãe dele me ligou agorinha, mas fica tranqüila o Jorginho na outra classe disse que dançaria duas vezes.
A notícia veio de espanto, sentiu como se toda as pintas cuidadosamente desenhadas escorregassem do seu rosto. Como poderia essas coisas acontecerem? Olhou para o fim da fila e viu a cara redonda e rosa do Jorginho sorrindo, aquilo a deixou fora de si, caminhou em direção ao menino todo disponível e deu-lhe um pisão no pé.
O menino , abriu um berreiro, a professora chegou correndo a mãe que viu tudo pulou segurando a filha sem entender.
- O que aconteceu?- disse a professora.
- Ela pisou no meu pé!- soluçou Jorginho.
- Foi sem querer!- retrucou a menina enfurecida e mal educada.
- Maria Eduarda, você ficou maluca?- resmungou a mãe apertando –lhe o braço.
- Quero ir embora.
- Ah, mais você vai mesmo mocinha.
- E daí?
- O que aconteceu filho? - veio bufando a mãe de cara tão rosa e redonda quando o filho.
- Foi só um mal entendido, não é Maria Eduarda? - disse a professora pondo panos quentes.
A mãe de Jorginho já com o menino no colo e ouvindo o choramingo baixinho no seu ouvido: “ Ela pisou no meu pé, e com força”. Tento ouvido o lamento do filho, a rosa senhora lançou um olhar fulminante para mãe e filha . A menina encarou, osso duro que era, já a mãe respondeu com um sorriso amarelo o olhar da outra mãe.
Uma saiu com o filho no colo cheia de carinho e a outra arrastava a filha pelo braço. A professora impotente respirou fundo e bateu palmas organizando a fila dou outros caipirinhas.
A mãe de Jorginho afogou-lhe a dor em sorvete e a mãe de Maria Eduarda esquentou-lhe a fúria em um safanão e deixou-a no quarto a sofrer da dor e do coração um dia inteiro sem televisão.

Sheyla Coelho