quinta-feira, 5 de março de 2009

Primos

Primos, jovens e na mesma profissão.
Ele : alto, magro e sem rumo.
Ela: a dona mestra do sorriso.
Ele nem tão sonhador, ela a portadora da justiça, ele se achava profundamente sem sorte e a amava na infância, ela adorava vencê-lo na sinuca, o lazer dos homens da família.
Todos diziam que ela teria um futuro brilhante, ele era quase um esquecido.
No final do ano ela terminará a faculdade de direito, ele já advoga pequeno município onde nasceu.
Neste momento estão juntos, na mesma sala da infância, ela viajou quilômetros e ele fez o percurso de alguns poucos quarteirões a pé.
A avó, símbolo da doçura desta família, que sempre foi a acolhedora, a responsável pelas reuniões, hoje, era velada com muita tristeza.
Em um canto da sala, sem mexer um músculo ele chora. As lágrimas escorrem continuamente, sem precisar da ajuda das pálpebras, já avermelhadas.
Do outro lado, ela permanece calada e de olhos secos.
Os dois se olham, ela admira sua dor expressada e tenta preencher o vazio de sensações que dominam seu peito, ele pensa em como seria bom abraçá-la.
Com uma ternura intensa, digna da avó, sorriem um para o outro.
Ele se levanta e vai até a cozinha. Ela, como se seguisse uma coreografia, faz o mesmo.
– Quanto tempo - ele diz, para quebrar o silêncio .
– Tenho estudado muito – ela diz, pegando um café.
Ele tira a xícara das mão dela e a abraça. Não dizem , só se entregam neste abraço calmo, aconchegante, em que se pode sentir a outra pessoa.
Passam o resto da noite muito próximos.
Após o enterro, ela promete a ele que voltará, virá visitar ele e a família, mas ele bem compreende que não, que a única coisa que os unia fora enterrada ali, há poucos minutos. Fora a avó ela não tinha um verdadeiro motivo que a trouxesse.
Talvez ela se lembrará desta cumplicidade nas noites em que sentir-se só na grande cidade. Ele retomará o amor platônico da infância por alguns dias, talvez semanas, e depois esquecerá.
Até o dia em que, por morte, saudade ou acaso, eles tornem a se encontrar.

5 mim

Com os pés, agora descalços, refresco-me do meu dia.
Caminho pelos pisos de minha sala , fecho os olhos e me retiro a pensar no mar...
Consigo inventar a brisa a passear no meu rosto, a languidez dos meus passos na areia,e por alguns instantes sou plena e feliz .
Até que um tolo pensamento me diz: "você nunca gostou de praia".
Despenco no abismo da realidade, olho para minha sala, minha mesa sempre bagunçada,
o copo ainda com um último gole de vinho da noite passada.
Penso no trabalho , sinto novamente o cansaço do dia a perseguir-me.
Respiro fundo, fecho meus olhos e retiro-me a pensar em ti.
Crio suas mãos em volta de minha cintura, e sem nenhuma palavra dura,
ouço no melhor tom o que você jamais me disse...
Outro pensamento me vêm, porém perante esse aviso anti-você eu ensurdeço.
Consciente eu ignoro, preciso de mais 5 minutos .

Blues

Já não me sinto tão solitária.
Os pensamentos, em ti, são tão vorazes
Que me esqueço do cigarro em brasa.
Estúpidamente, queimo os dedos
E isso me traz à realidade melancólica,
Dos dias de trabalho duro,
Das festas medíocres,
Dos copos gelados de cerveja
Que imploram por uma boca quente,
Do medo que me persegue como um assassino de aluguel;
Podre, persistente e sedutor.
A vida parece fria diante dos desejos .
E o Blues que grita no vinil,
Implora a sua presença
Nesta noite machucada pela realidade.

Boba

Eu sou uma boba muito boba,
que a cada minuto se arrepende da explosão anterior,
perdida em pensamentos que ora se acalmam
quase adormecem
ora gritam,
sem intervalo.

Passa tempo incontrolável, incoercível
e a cada milagre do segundo
chegam tão próximos e confusos
ora a dor ora o alívio.

Nunca sei o hora certa do amor
O possuo em baldes caudalosos
E assim o que é para se compartilhar em todas as horas
ora se esvazia em um impulso gordo, atrapalhado
ora se afoga em um micrésimo de vaidade.