terça-feira, 7 de outubro de 2014

Curriculum Vitae

                                  


Demoro meses para falar com alguém ou um segundo. Hedonista Conservadora,  foi a última definição insana e contraditória que me dei. Por quê? Ah sei lá, porque eu sou impulsiva e um segundo depois tudo que eu fiz me aterroriza. Mas não se engane: eu faria de novo. Acho tudo caro e reclamo, sim, eu reclamo. Tomo café de noite. Tenho pavor de aviões, mas sou obrigada a entrar neles. Na verdade, os meios de transporte me assustam. Como uma coisa de lata pode correr tanto? Eu bebo sozinha em bares, eu gosto disso.  Odeio baladas, a não ser que eu esteja muito bêbada e feliz ao mesmo tempo, nesse caso, você pode me encontrar virando piruetas em lugares improváveis e roubando microfones. Ah, eu também fico muito tarada nessas ocasiões. Mas tudo bem, porque não é com frequência que isso acontece ( essa é desculpa que me dou quando acordo). Eu tenho poucos amigos, mas são amigos de muito tempo. Eu amo crianças. Eu gosto muito de escrever, mas odeio corrigir. Tenho pavor das normas da ABNT. E já fiz coisas: como me corresponder por cartas, ler para cegos, andar pela paulista vestida de Marilyn Monroe e fingir que eu estava fazendo um strip-tease na feira da Pompéia, porque me contrataram para ler poemas e ninguém parava para ouvir, funcionou. Os mendigos e malucos me param na rua e eu falo com eles. Já não saí com um cara porque eu estava conversando com uma prostituta e ele a tratou mal, paguei a conta toda pedi mais dois chopps e mandei-o (jamais escreveria “mandei-o” foi o Word) embora. Escrevo poemas e mando para os outros. E acho isso ruim, mas faço. E os poemas não são autobiográficos, no limite são uma “desautobiografia”.  Acho mais fácil escrever ou dançar do que falar, apesar de falar muito. Falo muito justamente porque não falo com muita gente. Então quando encontro alguém com quem me sinto a vontade, falo muito. Muitas vezes não olho para as pessoas nos olhos quando elas estão falando, porque gosto de imaginar o que elas estão falando. Os olhos das pessoas me sugam. Fico hipnotizada. É como se não fizesse sentido falar. E as pessoas não gostam muito disso. Então, para prestar atenção no que elas estão falando olho para o lado. Eu não conheço você, você não me conhece e é claro que eu usaria um método estranho para fazer isso porque eu faço assim, mesmo não querendo. Mas eu já fiz coisas piores e não tive redenção, já acreditei que as pessoas mais babacas poderiam ser legais. E eu sempre sobrevivi. Porque me interessa conhecer os outros, de verdade. Assim, por nada. Porque eu tenho medo da morte e do escuro. Porque a vida vive escorrendo das nossas mãos, e minha maneira de pegá-la é essa. Sou só uma pescadora de palavras, tão insegura quanto segura.