sábado, 27 de dezembro de 2008

O presente de Iolanda

Chegava cedo, saía de casa antes do sol se atrever a enfrentar as densas nuvens cinza da metrópole. Ia aos arredores da praça da república onde tinha seu lugar reservado nas leis que os próprios ambulantes estabeleceram, de um lado ficava o Josival dos óculos escuros e do outro dona Rosa dos brincos, pulseiras, crochês...
Seu Manuel dos relógios, como era conhecido, passava seu dia. Correu do rapa, armou e desarmou pelo menos quatro vezes sua engenhoca prática, uma mala de madeira muito lixada e pintada de verde e um cavaletinho para apoiar, que fabricou no quintal de sua casa lá em São Matheus. Tudo se desmonta em menos de meio minuto.
 Não é um senhor de muito papo, a não ser com os fregueses e no sagrado jogo de dominó de domingo, lá do Bar do Isaías.
- Oh, dona Rosa vêm aqui um pouquinho, faz favor.- disse com uma cara angustiada.
- Fala Maneco aconteceu alguma coisa - disse ela de espanto, tão raro ele a chamar.
- Sabe que é, hoje é aniversário da Iolanda e eu não sei...queria dar um presente pra minha velha, mas não sei o que.
- Ah,... Pense numa coisa que ela gosta, tenho uns brincos lindos que eu fiz noite passada.
- Ihh! Não vai adiantar não a Iolanda nem furo na orelha têm.
A dona Rosa fez uma cara estranheza ( como assim uma mulher que nem tem furo na orelha), mas era assim sua Iolanda, era moça nascida em fazenda não tinha essas frescuras. 
O dia já se ia e nada de idéia nenhuma, sem contar as vendas, só cinco relógios. Tinha umas contas para pagar e a vontade de presentear a esposa ficava cada vez mais obtusa. 
Já triste por não ter comprado nada, ajeitou o cavalete, foi ao ponto , acenou para o ônibus que o levaria para casa e tendo andado uns seis quarteirões a bordo, da janela, avistou uma floricultura.
- Margaridas, a Iolanda adora as margaridas!
Desceu do ônibus, logo passaria outro e daria tempo de pegar a integração.
- O que o Senhor deseja?
- Margaridas, daquelas grandonas - disse ele entrando afoito de mala e cavalete em punho.
- Infelizmente não as tenho.- disse a senhora naquele tom falsamente triste- mas temos outras flores, qual é a ocasião?
- Ocasião?
- É. Para quem são?- respondeu-lhe num tom quase didático.
- A ocasião é que minha mulher tá de aniversário.
- Ah, sim, vejamos....
- Como se chamam aquelas ali ó -apontou com o dedo- roxas e rosa dependuradinhas?
- São conhecidas como brincos de princesa.
- É caro?
- Aquele vaso é trinta reais.
Seu Manuel achou bonito, talvez pelo nome, quando namoravam chamava dona Iolanda de princesinha, porque ela era meiga, pequeninha, magricelinha.
 É. Porém os 40 reais da conta de luz o fizeram pensar, tinha só 50 do trabalho de hoje e quando já ia se esquivando para sair, surgiu-lhe uma idéia. Teve vergonha, mas coração deu um impulso e a proposta pulou meio sem jeito:
- Se eu der dois relógios e 10 reais , a senhora deixa eu ficar com os brincos de princesa?
-Ah, infelizmente...
Ele respirou fundo, criando forças para não desviar o olhar da senhora de óculos grossos e roupa de frio rosa.
-Você tem relógios para criança?- disse ela, mudando de tom ,enternecida pelo olhar úmido de Manuel.  
Mas veloz que nunca, Manuel montou a mala e o cavalete dentro da floricultura. Tirou as pulseiras da Hello Kitty, Homem Aranha, Barbie...
- E são muito bons, viu senhora !
Ela acabou ficando com um do Batman, para o netinho e um da Barbie para a sobrinha neta.

Como o concordado, Manuel entregou-lhe os 10 reais e os relógios. Desajeitou-se para pegar a flor como se pegasse um recém nascido, ajeitou a mala e o cavale em um dos braços e foi para casa entregar os brincos da princesa Iolanda.

Sheyla Coelho

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