Quando eu era criança pequena lá em Botucatu, eu tinha uma enorme dificuldade em compreender muitas coisas como:"Por que eu tenho que fazer lição de casa? Eu já passo metade do meu dia sentada lá na escola!". Essa lembrança me veio hoje, enquanto eu tenho três trabalhos da faculdade para fazer e uma vontade imensa de escrever outra coisa, qualquer coisa que deixe meus dedos escorregar no teclado.
Minha indignação era tanta perante alguns deveres de matemática insolúveis que um dia eu tive um ataque de nervos e rasguei a folha da lição. Ninguém me esfolou por causa disso, minha mãe só me disse que eu teria que contar para professora, no dia seguinte, o que tinha acontecido com a minha lição. E eu não me lembro o que eu disse nem as consequências daquele gesto de fúria infantil. Lembro só da imagem e da vergonha que eu senti antes de começar a falar, parecia muito idiota eu ter rasgado tudo.
Naquela época eu olhava para a estante de livros e achava que o mundo poderia estar ali, não no meu livro de matemática. Então eu pegava um deles olhava, lia algumas partes e não entendia muita coisa, mas eu me sentia livre só pelo fato de eu poder escolher qualquer um aleatoriamente.
Alguns anos depois, quando o caderno não era uma obrigação, tive um professor de geometria muito severo, com o qual eu adquiri um monte de notas baixas. No final do ano veio de novo a questão das tarefas, ele disse: "Eu te dou um ponto pelo seu caderno de tarefas, traga-o amanhã". Subitamente veio o desespero, eu não tinha se quer um caderno! Cheguei para uma garota estudiosa e disse: "Me empresta o seu caderno?".
Emoção. Saí correndo da escola, comprei um caderno e umas canetas coloridas, porque a garota escrevia de cores diferentes, então achei de bom tom copiar. Sentei na sala jantar abri espaço na mesa, olhei para o relógio e pensei "vou ficar o dia todo aqui". Na primeira página, do caderno da menina tinha escrito com canetinha: " GEOMETRIA". Me recusei a copiar, pulei duas páginas e comecei, copiei, disfarcei, fiz um desenho diferente. No final de duas horas tinha incrivelmente terminado o trabalho de um ano inteiro. E então olhei para estante de livros, e comecei a pensar que enquanto a menina fazia todos aqueles exercícios eu estava folhando aqueles livros, vendo TV ou simplesmente olhando a rua. E numa revolta dessa vez adolescente, resolvi me mostrar.
Peguei o livro da Florbela Espanca e escrevi um poema dela, no lugar da capa. Nessa época eu arriscava uns versos também, e a cada lacuna intercalei, eu , Fernando Pessoa, até o senhor Bertold Brecht entrou na dança. E eu demorei bastante tempo selecionando aquilo tudo, talvez mais tempo do que eu tenha levado para copiar.
Bem cheguei a escola e a vergonha me tomou de novo, pensei como sou idiota, ele vai me torturar. Então ele pegou o caderno, novo e sorriu um poco e me perguntou " Esse caderno é seu?" ao que eu disse sim e justifiquei que fazia anotações e passava a limpo em casa, mas eu nunca soube mentir e isso foi tão gaguejado que ele me cortou e disse "Veremos". Ele o abriu e se deparou com Florbela, leu o poema todo, com calma. Eu tinha esquecido de colocar o nome dela, ele virou com desdém e perguntou "Não foi você que escreveu isso, foi?" ao que eu respondi revoltada pelo desdem não, foi Florbela Espanca o meu é o da última página. Ele riu. Continuou folhando o caderno, parecia que em câmera lenta diante do meu desespero.
Eu pensava "eu sou mesmo muito idiota era só ter copiado a porcaria das contas". Ele se deteve no meu poema, que eu sinceramente queria lembrar. Então veio o veredito, "Vou te dar o ponto pelo poema, é um bom poema e no mais eu gosto da Florbela Espanca". Eu nem sei qual foi o meu olhar, mas ele me disse no fim " Eu sempre soube que você nunca ia fazer contas". Confesso que doeu, porque eu sou orgulhosa, mas enquanto eu fui andando pela rua, me dei conta que ele foi a primeira pessoa desconhecida a quem eu tinha mostrado um poema. E pensei rindo, se nada der certo vou vender poemas à professores de matemática. Está aí uma tarefa, que eu posso fazer.
quarta-feira, 5 de novembro de 2014
segunda-feira, 3 de novembro de 2014
Sobre os sexos
Ele: Fala para mim qualquer coisa que não rime, por favor, estamos no século XXI. Diga uma coisa amorosa que não seja piegas, tente ser gentil sem usar frases feitas. Vamos, colabore. Não há nada de desumano
Ela: Viva a realidade.(tira a roupa)
Ele: Obrigado.
(tempo)
Ela: Vontade louca de abrir a janela e ficar assim para sempre. Numa preguiça eterna. Sabe, de viver assim feito brisa.
Ele: Puts, tenho que trabalhar amanhã, vamos dormir? (veste a calça)
Ela: Obrigada.
(se viram na cama e dormem)
Ela: Viva a realidade.(tira a roupa)
Ele: Obrigado.
(tempo)
Ela: Vontade louca de abrir a janela e ficar assim para sempre. Numa preguiça eterna. Sabe, de viver assim feito brisa.
Ele: Puts, tenho que trabalhar amanhã, vamos dormir? (veste a calça)
Ela: Obrigada.
(se viram na cama e dormem)
terça-feira, 7 de outubro de 2014
Curriculum Vitae
Demoro meses para falar com alguém ou um segundo. Hedonista
Conservadora, foi a última definição
insana e contraditória que me dei. Por quê? Ah sei lá, porque eu sou impulsiva
e um segundo depois tudo que eu fiz me aterroriza. Mas não se engane: eu faria
de novo. Acho tudo caro e reclamo, sim, eu reclamo. Tomo café de noite. Tenho
pavor de aviões, mas sou obrigada a entrar neles. Na verdade, os meios de
transporte me assustam. Como uma coisa de lata pode correr tanto? Eu bebo sozinha
em bares, eu gosto disso. Odeio baladas,
a não ser que eu esteja muito bêbada e feliz ao mesmo tempo, nesse caso, você
pode me encontrar virando piruetas em lugares improváveis e roubando
microfones. Ah, eu também fico muito tarada nessas ocasiões. Mas tudo bem,
porque não é com frequência que isso acontece ( essa é desculpa que me dou
quando acordo). Eu tenho poucos amigos, mas são amigos de muito tempo. Eu amo
crianças. Eu gosto muito de escrever, mas odeio corrigir. Tenho pavor das
normas da ABNT. E já fiz coisas: como me corresponder por cartas, ler para
cegos, andar pela paulista vestida de Marilyn Monroe e fingir que eu estava
fazendo um strip-tease na feira da Pompéia, porque me contrataram para ler
poemas e ninguém parava para ouvir, funcionou. Os mendigos e malucos me param
na rua e eu falo com eles. Já não saí com um cara porque eu estava conversando
com uma prostituta e ele a tratou mal, paguei a conta toda pedi mais dois
chopps e mandei-o (jamais escreveria “mandei-o” foi o Word) embora. Escrevo
poemas e mando para os outros. E acho isso ruim, mas faço. E os poemas não são autobiográficos,
no limite são uma “desautobiografia”. Acho
mais fácil escrever ou dançar do que falar, apesar de falar muito. Falo muito
justamente porque não falo com muita gente. Então quando encontro alguém com
quem me sinto a vontade, falo muito. Muitas vezes não olho para as pessoas nos
olhos quando elas estão falando, porque gosto de imaginar o que elas estão
falando. Os olhos das pessoas me sugam. Fico hipnotizada. É como se não fizesse
sentido falar. E as pessoas não gostam muito disso. Então, para prestar atenção
no que elas estão falando olho para o lado. Eu não conheço você, você não me
conhece e é claro que eu usaria um método estranho para fazer isso porque eu
faço assim, mesmo não querendo. Mas eu já fiz coisas piores e não tive
redenção, já acreditei que as pessoas mais babacas poderiam ser legais. E eu
sempre sobrevivi. Porque me interessa conhecer os outros, de verdade. Assim, por
nada. Porque eu tenho medo da morte e do escuro. Porque a vida vive escorrendo
das nossas mãos, e minha maneira de pegá-la é essa. Sou só uma pescadora de
palavras, tão insegura quanto segura.
quarta-feira, 24 de setembro de 2014
Je suis
Mais um anjo mestiço,
metade céu
metade hospício.
Uma asa ao léu,
Outra ao precipício.
Meu ofício.
Sheyla Coelho
terça-feira, 23 de setembro de 2014
Transporte público
Num ônibus lotado,
A solidariedade do acento,
Encaminha-se manca,
Por um salto quebrado.
Sheyla Coelho
quarta-feira, 17 de setembro de 2014
Alergia
- Que aconteceu com você?
- Comi um amor estragado.
- Fora do prazo de validade?
- Não, totalmente fora da realidade.
Sheyla Coelho
- Fora do prazo de validade?
- Não, totalmente fora da realidade.
Sheyla Coelho
terça-feira, 16 de setembro de 2014
Desgoverno
Minha alma tem mil e um Estados,
Independentes e mal governados
Por um corpo culturalmente mascarado
E um bubblegum mascado.
Independentes e mal governados
Por um corpo culturalmente mascarado
E um bubblegum mascado.
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