terça-feira, 12 de agosto de 2008

Tito

Tito era um rapaz desses que não enxergam o lado ruim da vida, tinha uma complacência inata, invejada nas mesas de bar que frequentava.
– Tito é um grande camarada, quando minha namorada me deixou, disse que não me preocupasse, “a vida é assim, foi-se essa, um dia virá outra, e nada de ser melhor ou pior, só vai ser igual e diferente como os domingos”. Esse Tito é mesmo uma figura, e não pense que é só nesse papo de curar dor-de-cotovelo não, de onde veio esse papo de domingo sai cada uma! - declarou certo dia, no Bar, um amigo de Tito.
Assim era Tito, sempre cheio de conselho, era querido pela amizade, pelas palavras de ajuda, pelo alto astral. Ele não era um rapaz de grande sonhos e pretensões, falava que quem muito imagina pouco olha. Era uma dessas pessoas que faz amizade em ponto de ônibus, e não digo daquelas conversas rápidas que uma vez ou outra a gente tem e só dura até o ponto de descida, se ele estivesse a seu lado, você também o convidaria para uma cerveja logo mais, e se você é do tipo desconfiado, ele já saberia de sua vida conjugal. Uma amiga taróloga que conheceu no vão do Masp analisa:
– Tito é de Peixes, o último dos signos e com ascendente em câncer, o que traz essa vontade de confiar nele, essa coisa família.
Ele passeia bastante, prefere sair só, não porque não tenha amigos, mas diz que quando se sai acompanhado, as chances de conhecer gente nova diminuem.
Em uma tarde, foi ao parque do Ibirapuera andar de bicicleta. Viu próximo ao lago uma garota, ela lhe chamou a atenção, Tito sempre admirava as mulheres, todas, não importava nacionalidade ou idade, mas também, como a tudo, lhes dava uma intensa atenção efêmera.
Com a bicicleta começou dar voltas, porém sem a perder de vista; ela não o notou, estava entretida em um livro grosso, tentou ler o título, mas estava longe. O conhecido Tito do povo se aproximaria, mas aquele Tito daqueles segundos ficara de pernas frouxas, não se reconhecia.
E no seu minuto mais aflitivo até aquele dia, lutando para voltar a ser quem era, um homem sem pretextos, caminhou em um ato legítimo de coragem até a garota que lia.
Em um ato inusitado, o corpo da moça sentiu a sua presença, de súbito levantou a cabeça e disse rápida:
– Você fuma?
– Não - escorreu-lhe da boca, sem nada a complementar.
– Valeu, é que eu queria um isqueiro - disse e enfiou novamente os olhos no livro.
Os pés de Tito o levaram adiante, confuso e sem coragem de olhar para trás. Apiedou-se em seus próprios conselhos: “Se não é essa, será outra”. Porém por mais conforto que esta lição sempre cause, desta vez o nosso Tito experimentou a dor de não poder ter sido essa, e sim uma outra. Pegou a bicicleta que deixara no chão e durante todo esse dia não conversou com ninguém.


Sheyla Coelho

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